A conexão entre aprender e sentir — ou por que precisamos sentir para aprender

Eduardo Valladares
8 min readOct 5, 2023

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Bruno Nascimento on Unsplash

Aquele encantamento na brincadeira do recreio; a piada entre colegas; o drible bem-feito no futebol; os detalhes em um desenho… Isso nos coloca uma primeira questão: para aprender, é preciso motivação.

É muito comum ouvir, em ecossistemas de aprendizagem, que aprendizes não mostram interesse pelos estudos e não há motivação para aprender. Se pararmos para observar as/os aprendizes, certamente, iremos encontrar outras tarefas e atividades recheadas de motivação, não é verdade?

A motivação pode ser entendida como um processo e, por isso, é aquilo que suscita ou incita uma ação, que sustenta uma atividade progressiva, levando-a para um resultado. Ela surge a partir da necessidade de satisfazer uma demanda nossa; isso significa que ela parte de um desejo, uma intenção, um interesse, uma vontade ou uma disposição para agir.

Sendo assim, não há dúvida de que a motivação (etimologicamente, “o que nos move a agir”) é um produto da emoção. E os seres humanos têm uma premissa motivacional fundamental: buscamos o prazer e evitamos a dor. Precisamos sentir prazer para nos sentirmos bem e alcançarmos o bem-estar.

Por que, então, no processo de aprendizagem seria diferente?

Iván Izquierdo foi um dos primeiros especialistas a nos apontar que os maiores reguladores da aquisição e da formação de memórias (e memória é aprendizagem!) são justamente as emoções.

Isso ocorre devido às conexões diretas entre os neurônios responsáveis por regular diferentes tipos de emoções e os neurônios essenciais para a formação de memórias. Em algumas regiões do cérebro, os neurônios combinam funções de resposta emocional com funções de aprendizado.

“Neuroeducação em aula: da teoria à prática”, Jésus C. Gúllien, 2017.

Segundo Jesús C. Guillen, professor de Neuroeducação da Universidade de Barcelona e autor do livro “Neuroeducação em aula: da teoria à prática”, nosso cérebro possui uma capacidade extraordinária de fazer previsões sobre o que está acontecendo ao nosso redor.

Ele traz o exemplo da leitura de um livro: quanto mais nos aproximamos do final de uma frase, mais facilmente nosso cérebro poderá prever como ela terminará. Se o resultado esperado ocorrer após os cálculos antecipados que nosso cérebro realiza, a leitura será considerada de pouca importância e não será necessário processar e armazenar essa informação.

Do que você sentiu falta nesse processo?

Acertou. Da emoção.

O professor explica que quando a leitura ou o resultado da nossa ação, seja qual for, supera as expectativas, nosso cérebro envia sinais que nos permitem aprender com o ocorrido. Lembrar, guardar, perceber, sentir. Emoção presente.

Esses sinais ocorrem no sistema de recompensa cerebral, no qual a dopamina, um neurotransmissor ligado à curiosidade e busca por novidades, desempenha um papel importante.

A presença da emoção facilita a formação de memórias, ou seja, o processo de aprendizagem. É muito mais fácil recordarmos um evento ou conteúdo que aprendemos em um contexto emocionalmente intenso do que aqueles aprendidos em um contexto com pouca relevância, certo?

Certamente podemos falar sobre a importância da atenção também, essencial para a aprendizagem. Acontece que nossa capacidade em manter a atenção em determinado estímulo é limitada a um certo período de tempo. E depois que esse tempo passa — o que precisamos para aprender? Experiências e informações relacionadas às nossas vidas, com nosso cotidiano e que, de alguma forma, sejam significativas para nós.

Faz sentido pra você até aqui?

Esse funcionamento em nosso cérebro é contínuo desde nosso nascimento: a motivação garante nossa sobrevivência, ou seja, somos seres que sempre operaram através de estímulos motivacionais. Diante disso, faz mais sentido a gente questionar por que as pessoas estão desmotivadas para aprender do que perguntar como podemos as motivar.

Lembra lá no começo do texto quando falamos sobre aqueles momentos de encantamento que exigem motivação? Eles estão sempre presentes. Por isso, vamos investigar um pouco mais como funciona nossa motivação.

Motivação intrínseca X Motivação extrínseca

O que será que nos motiva mais, fatores externos ou internos? As motivações extrínsecas são aquelas que derivam de outras pessoas, estímulos e acontecimentos que são externos a nós. Nisso, se inclui, por exemplo, a busca por recompensas como prêmios, notas ou bônus.

Já as motivações intrínsecas ocorrem quando sentimos um impulso para fazer algo por decisões ou desejos que vêm de dentro de nós mesmas/os. Nesse caso, não há o requisito de uma recompensa para despertar a motivação.

Em outras palavras, podemos realizar uma tarefa simplesmente pelo prazer que ela nos proporciona ou podemos realizá-la para atender a necessidades externas à tarefa.

As motivações intrínsecas e extrínsecas precisam de um delicado equilíbrio: nosso cérebro tem uma tendência a buscar estímulos externos para se motivar, pois tem preferência por recompensas imediatas. Por isso, é necessário um grande esforço de autocontrole, uma autorregulação, para resistir às pequenas gratificações e aguardar por uma recompensa futura.

Na ciência comportamental contemporânea, Richard M. Ryan e Edward L. Deci formularam a chamada teoria da autodeterminação, que analisa o que motiva as pessoas na ausência de qualquer influência externa. De acordo com a teoria, respaldada por diversos pesquisadores, as pessoas são motivadas a buscar: autonomia (controle sobre as coisas); competência (habilidade em realizar tarefas); e conexão (reconhecimento pelo que fazem).

Pesquisadores/as demonstram que apoiar as necessidades básicas das pessoas por competência, conexão e autonomia é muito importante em todos os aspectos de funcionamento individual e social, inclusive na aprendizagem.

Por exemplo, pense naquela pessoa no trabalho que está sempre dizendo como realizar qualquer tarefa, mesmo as mais simples: isso pode gerar o sentimento de que não temos controle nem capacidade sobre o que realizamos, prejudicando a sensação de competência.

Na mesma direção, outra pesquisa no âmbito educacional mostrou que professoras e professores que abrem pouco espaço para perguntas, se excedem em explicações e no controle das atividades podem acabar por inibir a curiosidade de aprendizes, prejudicando sua autonomia.

Por isso, é essencial pensarmos na motivação intrínseca como a maior aliada de uma aprendizagem pelo sentir. Em um primeiro olhar, parece que o mais comum e possível é gerar engajamento através de fatores externos, não é mesmo?

Acredite, não é.

Uma revisão de estudos realizada pela Universidade de Harvard demonstrou que o uso de recompensas imediatas, incluindo pontos extras e até prêmios em dinheiro não resultaram em melhorias no desempenho de aprendizes, nem em aumento de engajamento.

A explicação está no fato de que o cérebro tende a se adaptar à sensação proporcionada pelas recompensas imediatas, perdendo, ao longo do tempo, o interesse nelas.

Ao mesmo tempo, quando a motivação para realizar uma tarefa é intrínseca, a sensação de prazer que ela proporciona atua como um impulso para persistir.

Parece, então, que associar um resultado positivo às nossas próprias ações é mais poderoso do que se o resultado positivo viesse de fora. A recompensa pela realização da tarefa diminui a motivação para realizá-la, mas aumenta se oferecemos mais autonomia sobre as ações!

Portanto, a motivação intrínseca, que surge dentro de nós e nos faz sentir, nos permite aprender de forma mais profunda, ser mais criativos e ter maior bem-estar.

Podemos concluir que a necessidade de nos sentirmos competentes e autônomos/as está associada à motivação intrínseca, que pode ser impulsionada quando nos é oferecida a possibilidade de escolha, o espaço para perguntar e para agir de forma mais livre e espontânea. Já a motivação extrínseca envolve comportamentos rotineiros, memorização e níveis menores de bem-estar, com recompensas que são, muitas vezes, usadas para controlar o comportamento.

É necessário promover a motivação intrínseca de aprendizes, pois ela nos conecta e nos permite dedicar com mais tempo e qualidade àquilo que nos move, no lugar de atividades baseadas em recompensas e punições, insuficientes para gerar aprendizagem significativa.

Por isso, então, é que precisamos sentir para aprender.

Mais do que entender o funcionamento de nosso cérebro, como funciona nossa motivação e como ela está ligada aos nossos desejos, a conexão entre aprender e sentir também se relaciona com outros fatores.

As expectativas de alunas e alunos sobre sua própria capacidade têm um grande impacto em sua aprendizagem. O que as pesquisas revelam é que as expectativas de professores e professoras sobre seus aprendizes também gera consequências enormes nos resultados de aprendizado, especialmente ao impulsionar ambientes emocionais positivos.

Uma simples mensagem que demonstra essa relação pode causar um grande impacto: em um estudo realizado entre pesquisadoras das Universidades de Stanford, Yale e Columbia, 40% das alunas e alunos que receberam retorno do/da professor/a sobre um trabalho com a anotação “Espero que meus comentários sejam úteis” decidiram entregar o trabalho mais uma vez, revisado. Quando alunas e alunos receberam a mensagem de retorno “Escrevi esses comentários porque acredito muito no seu potencial e sei que você se sairá muito bem”, 80% decidiram entregar o trabalho mais uma vez.

A diferença é impressionante.

Elogiar o esforço — não a conquista — e priorizar o processo em vez do resultado contribui para impulsionar a motivação de aprendizes para alcançar metas, aumenta o reconhecimento e tem influência na autoimagem, aspectos diretamente relacionados aos sentimentos.

Por isso também é tão importante pensar nos relacionamentos em ecossistemas educativos — entre aprendizes, professoras e professores.

Em um estudo com a participação de 643 alunos de 37 turmas do Ensino Médio de diferentes escolas nos Estados Unidos, a qualidade dos relacionamentos entre professoras, professores e aprendizes teve impacto direto nos resultados acadêmicos ao final do ano letivo, especialmente em ambientes com menos aprendizes, ou seja, com espaço para mais contato e aproximação entre as pessoas.

O estudo de Joseph Allen, da Universidade da Virgínia, mostra que o vínculo emocional ocorre mais facilmente em turmas com menos alunas e alunos, impactando diretamente nos resultados de aprendizagem. Essas turmas eram caracterizadas por criar um ambiente emocional positivo, sensível às necessidades das/dos aprendizes, utilizar estratégias de ensino variadas e envolventes e focar no desenvolvimento da metacognição na resolução de problemas. De acordo com os autores da pesquisa, envolver emocionalmente alunas e alunos pode ser fundamental para aumentar sua motivação na hora de aprender.

Nessa outra pesquisa, do Departamento de Educação dos Estados Unidos, foi demonstrada a grande influência da forma como professoras e professores se comunicam na percepção de aprendizes. Os resultados sugerem que professores/as podem criar ambientes de aprendizagem positivos ao utilizar uma linguagem verbal e não verbal que demonstra uma preocupação genuína pelas necessidades e pelo aprendizado de suas alunas e seus alunos.

O que podemos e queremos afirmar:

Aprender abrange aspectos pessoais e emocionais, interesses, crenças sobre si mesma/o e sobre o mundo, fatores que impulsionam a motivação interna e externa e a importância atribuída ao que sentimos, através de nossas experiências.

Como dizem as/os educadores brasileiras/os Diana Paula Salomão de Freitas, Cezar Soares Motta e Pâmela Billig Mello-Carpes, os sujeitos aprendem aquilo que os emociona, que os sensibiliza.

Por isso, aprendizes necessitam experienciar as situações reais, sentindo seus estímulos de forma a perceber sensivelmente, e assim, se mobilizarem para a transformação de suas realidades.

E isso só é possível pela conexão entre sentir e aprender, que defendemos através do conceito autoral da Aprendabilidade, um novo movimento de aprendizagem através do sentir.

criação autoral e propriedade da EDU VLLD

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